domingo, 15 de novembro de 2009

LIVERPOOL E O FREVO


A história do frevo começa no final do século passado com a formação dos clubes-de-rua, pela classe trabalhadora do Recife, que arrastava milhares de foliões pelas ruas da cidade.

O termo "clube-de-rua" foi dado por Katarina Real, antropóloga americana que muito estudou a cultura pernambucana e era louca por nosso carnaval. Antes eram conhecidos como "clubes pedestres".

Sempre ligados a alguma categoria profissional, figuravam entre os primeiros clubes: "Vassourinhas", criado pelos varredores da cidade e fundado em 1889, "Caiadores", "Espanadores","Parteiras de São José", "Carpinteiros", "Bilheteiros do Recife", "Bloco das Pás de Carvão" (que depois virou Clube das Pás") e outros tantos do gênero. Calculam os especialistas que no carnaval de 1900 já existiam mais de 100 agremiações, só na capital pernambucana.

Todos eles saiam às ruas com suas músicas tocadas por charangas (pequenas orquestras de metais) que tinham em seus repertórios dobrados militares, ou músicas cantadas, lembrando as marchinhas cariocas ou melodias de pastoril. Essas últimas muito cantadas nos Blocos.

Aos clubes-de-rua se juntavam os capoeiras e os bêbados com suas danças. É de se notar a influência desses dois elementos na criação do "Passo", a dança do frevo. Por motivos de classe, criou-se o "Frevo-de-bloco", que era uma coisa mais familiar, onde as esposas cantavam com as filhas e os maridos tocavam com os filhos e amigos. A música desses blocos, que lembram bastante o pastoril, com a predominância das vozes femininas, é acompanhada por instrumentos de pau-e-corda (bandolim, cavaquinho, banjo, flauta, clarinete, surdo e pandeiro).

Ano a ano, essas músicas iam se transformando de acordo com a brincadeira, iam tomando formas diferentes e mais alegres. Os clubes e os blocos compondo seus hinos.

O povo da Zona da Mata, que trabalhava nos engenhos, vinha para o Recife durante o período momesco e é deles o termo "Frevo", que vem de "Frevura" (fervura), numa analogia com a temperatura e o movimento que a cana-de-açucar fervia nas caldeiras, quando lhe extraíam o "mel". Quando os Clubes-de-Rua passavam arrastando a multidão, se dizia: - "Lá vem o frevo!" "A orquestra tá frevendo!" " Olha a frevança!"

Hoje, o frevo divide-se em três: Frevo-de-rua, Frevo-de-bloco e Frevo-canção. O frevo-de-rua é aquele que só é tocado, não tem canto. Na minha opinião é o mais frevo de todos, o mais rico em termos musicais. É música de músico, como o jazz. Não é qualquer um que faz um frevo de rua. Tem que ter um bom conhecimento harmônico e de composição para se atrever a essa tarefa, além de uma alma carnavalesca. É a música que arrasta multidões pelas ruas, que enlouquece as pessoas, que nutre nosso espírito. Eu, em toda a minha vida, não me lembro de ter ouvido uma frase musical que me inspirasse tanta alegria como os três primeiros compassos de Vassourinhas. Essa frase musical é muito especial, e quando é tocada o povo vai à loucura até hoje. Me lembro de uma orquestra famosa do Recife que levou a maior vaia cultural da história de Pernambuco quando, em meio ao frevo, sua cantora ameaçou um axé. Pra quê? O povo só se acalmou quando o maestro, desesperado, tocou Vassourinhas.

O frevo-canção também é muito cantado nas ruas, principalmente com o fim dos carnavais de clubes,onde eram mais executados. Esse faz o gosto do povo por ser uma música mais fácil, de melodia simples. O frevo-de-bloco é o mais lento de todos, tem uma melodia triste-alegre e é uma brincadeira mais familiar e mais bem comportada.

Mas, afinal de contas, o que é que Liverpool tem a ver com toda essa história? Onde se encaixa?

É simples. E não tem nada a ver com os Beatles. Em 1886, um navio da Cory Brothers, vindo de Liverpool, queria descarregar uma carga de carvão no porto do Recife em pleno domingo de carnaval. Como os carvoeiros estavam de folga, foi oferecido um pagamento dobrado para eles fazerem o serviço. Após receberem o dinheiro extra, eles saíram alegres pelas ruas da cidade, bebendo e cantando, e criaram o Clube da Pás de Carvão, hoje Clube da Pás, a mais antiga agremiação de carnaval de Pernambuco. Esse clube, sem dúvida, foi o que mais influenciou a formação de outros e existe até hoje, com sede no bairro de Campo Grande.

Agora, e se esse navio não tivesse chegado justo nesse dia, com tanta pressa para descarregar?

Um comentário:

  1. Muito massa essa explicação, cultural mesmo. Eu sempre soube, que pela linha melodica dos Beatles, eles curtiam o nosso FREVO!

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