Foto: Divulgação
O filme, que documenta a falência da Guerra às Drogas, política implementada e exportada pelos Estados Unidos desde 1971, chegará aos cinemas 13 dias depois de manifestantes terem sido brutalmente reprimidos em São Paulo pela Polícia Militar na Marcha da Maconha. O movimento questiona a criminalização do usuário e pretende discutir alternativas à repressão e à prisão, como já acontece em Portugal, onde o consumo diminuiu.
FHC, que atualmente preside a Comissão Global de Política Sobre Drogas, diz que essa discussão tem de partir da sociedade, não do Legislativo. “Depende apenas de se ter as informações pertinentes. Existem setores não informados, mas que tomam partido na questão”. Na quinta-feira (2/6), a comissão irá apresentar um extenso relatório propondo alternativas no assunto. “Não existem fórmulas, cada país tem de se adaptar. No Brasil, por exemplo, existe o problema social, enquanto na Suíça o uso da droga é encarado como problema de saúde”.
Nos últimos três anos, o ex-presidente tem se aproximado da questão e assumido abertamente a descriminalização da maconha e outras medidas que não mandem o usuário para a cadeia. Porém, durante sua presidência (1994-2001), aumentou-se a repressão e tratou-se o usuário como criminoso, importando o modelo político estadunidense – hoje considerado falido até mesmo pelos norte-americanos.
Cardoso faz mea culpa sobre o conservadorismo de sua administração. “Na época, eu não tinha informação e o tema não estava candente na sociedade”. Quando questionado sobre a eficiência para levantar o debate apenas depois do término de seu mandato, FHC diz que esbarrou em escolhas políticas. “Há limitações como presidente e existe o jogo da sociedade com o governo. Se ela não se convence, o governo não avança na conversa. Não posso dizer que, se fosse presidente hoje, faria e aconteceria, afinal não poderia prever minha relação com o Congresso e se valeria a pena politicamente”.
Em Quebrando o Tabu, não é apenas FHC que assume o erro de basear a política de drogas apenas na repressão. Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos entre 1993 e 2001, também atesta o fracasso da política de Guerra às Drogas, intensificada pela administração Nixon (1969-74) e que perdurou até o mandato de George W. Bush, encerrado em 2009.
Entre os entrevistados do filme também estão os ex-presidentes César Gavíria (Colômbia), Jimmy Carter (Estados Unidos), além de Ethan Nadelman, diretor do Drug Policy Alliance, Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça, o médico Drazuio Varella, o ator Gael Garcia Bernal e o escritor Paulo Coelho.
Legislação brasileira e mundial
No Brasil, as principais discussões em torno da política de drogas acontecem no Conad (Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas). Atualmente, o usuário que é pego com pequena quantidade de droga não pode ser preso, mas mesmo assim terá sua ficha suja. Porém, a lei não define a quantidade de droga que diferencia usuário ou traficante, cabendo ou ao policial ou ao juiz a tipificação. “Isso gera um problema porque o policial pode extorquir. Ou, se quem for pego vier de uma comunidade pobre o tratamento será diferente”, argumenta Ilona Szabó, corroteirista de Quebrando o Tabu. “Se descriminalizar, rompe a relação com a polícia”, complementa a roteirista, que defende a descriminalização da maconha e uma política eficaz de redução de danos como alternativas.
Heitor Augusto .
Seis países – Espanha, Itália, Portugal, Argentina, República Tcheca e México – não mais criminalizam a posse de drogas para consumo pessoal e construíram alternativas à prisão de usuários. Sobre a repressão à Marcha da Maconha, Fernando Henrique Cardoso diz não aprovar a violência policial. “Numa sociedade democrática, você não pode impedir as pessoas de se manifestarem. Quem não concorda com a descriminalização tem de fornecer argumentos e entrar no debate”.
Início do projeto
Fernando Grostein Andrade, diretor do documentário, conta que a ideia de realizá-lo surgiu quando, há cerca de dez anos, foi à Rocinha gravar o videoclipe de uma banda de pagode. “Lá vi jovens no tráfico, segurando uma AK-47 e fiquei me perguntando: se na Holanda as pessoas vão comprar maconha legalmente num coffee shop, por que aqui elas seguram fuzis?”, questiona, ressaltando que resumir o tema a essa frase é sintetizá-lo.
Financiado por renúncia fiscal – Artigo 1º da Lei do Audiovisual –, o documentário não conseguiu facilmente conquistar empresas para financiar um filme sobre drogas. “No começo foi difícil. Somente obtivemos patrocinadores quando apresentamos trechos das entrevistas, mostrando que havia gente séria na discussão”, conta o produtor Fernando Menocci.
Daí a força do ex-presidente para atrair credibilidade ao filme. “Quando o conheci, levei trinta argumentos para conseguir conquistá-lo para o filme. Consegui apenas mostrando como o tratamento à questão era hipócrita e que estava na hora de discuti-la seriamente”, define o diretor.
Proibicionismo
A lógica proibicionista às drogas se espalhou com força desde o início do Século 20. Sustentada pelo lobby religioso inicialmente em torno do álcool nos Estados Unidos, expandiu-se para a repressão às drogas ligadas especialmente a grupos étnicos como os chineses (ópio), negros (cocaína) e mexicanos (maconha).
Em 1920, a 18ª emenda à Constituição dos Estados Unidos, aprovada em 1917, começou a ser praticada, decretando a proibição da venda e consumo de álcool. Porém, movimentos a favor da repressão começaram a surgir já em meados do Século 19. O proibicionismo durou até 1933: o cineasta Martin Scorsese, que produz a série Boardwalk Empire, que recupera os acontecimentos do período, diz que “essa foi uma das grandes burrices dos Estados Unidos”.
No Brasil, está em discussão desde 2009 um projeto do deputado Paulo Ferreira (PT) que pretende reformar a Lei Antidrogas. Atualmente, existem cerca de dez coletivos estaduais com mínima força social que propõem a descriminalização da maconha e uma política efetiva de redução de danos aos viciados.
“Se você perguntar para a sociedade se ele é a favor da legalização, acho que 80% vai dizer que não. Porém, se perguntar se a solução é colocar as pessoas na cadeia, a maioria vai dizer que isso não resolve. Depende apenas de como se coloca a questão”, encerra o Grostein Andrade.
Heitor Augusto . Fonte:UOL
Nenhum comentário:
Postar um comentário